Um editorial histórico e polêmico

No ano passado o Centro Evangélico de Educação e Cultura (CEEDUC) recebeu uma preciosa doação. A irmã Ady Lopes, conhecida historiadora e memorialista da Assembléia de Deus em Joinville, doou exemplares da revista evangélica “A Seara”. Entre os exemplares doados encontramos as primeiras edições da revista (fundada em 1957), e edições das décadas de 60, 70, 80 e 90.

Capa da revista: em seus primeiros anos causou polêmicas dentro das Assembleias de Deus
Para quem gosta de navegar nas páginas do tempo, as revistas oferecem um excelente panorama das Assembléias de Deus no Brasil. As primeiras edições são as mais emblemáticas, pois conforme registros, a “A Seara” foi criada para tentar quebrar certos paradigmas dentro da denominação. 

E é através de seus artigos e reportagens que se percebem as tensões internas de uma denominação em franco processo de crescimento e consolidação no território nacional.

Esse editorial escrito pelo saudoso pastor João Pereira de Andrade e Silva fala por si só. Aponta falhas no consagrado método de ensino assembleiano, e como se diz popularmente “cutuca” as lideranças com observações, que revelam bem as carências e os desejos de muitos obreiros por um ensino teológico mais qualificado.

Reproduzo o editorial publicado na revista “A Seara”, dos meses de julho à agosto de 1957.

Escola Bíblica, Instituto ou Seminário?

Por João Pereira

Em quase todas quinzenas do “Mensageiro da Paz”, lemos “convites” para Estudos Bíblicos que se realizam em diversos pontos do território nacional. É um hábito seguido pelas Assembléias de Deus, desde os primórdios do Trabalho Pentecostal, no Brasil. De um modo geral, tem sido uma benção, não somente para os obreiros como para as igrejas. Os ministros e cooperadores que a esses “Estudos” comparecem num verdadeiro espírito de “estar a sós com o Mestre”, são beneficiados. Todavia, o grandioso desenvolvimento da Obra Pentecostal neste país, está exigindo um sistema melhor de ensino e exposição da Palavra de Deus, o que em outros termos quer dizer, uma concatenação melhor (ou assuntos) sejam explanados com mais clareza, para maior aproveitamento daqueles que os assistem.

As reuniões de “Estudos Bíblicos”, como estão sendo realizadas, atuam mais como fator de comunhão entre “Obreiros”, numa emulação constante daqueles que tem dedicado suas vidas ao Santo Ministério, mas não satisfazem plenamente ao ponto de vista pedagógico, porque é ínfimo, o rendimento do aprendizado dos que participam dessas reuniões. Acontece muitas vezes a ocorrência de falta de professores ou doutrinadores em condições de satisfazerem às necessidades dos “alunos”. Quanto à escassez do tempo, é notória. Pois, há reuniões com a duração de três ou quatro dias... Como poderá um professor (ou doutrinador) desenvolver um tema ou “assunto” que o Espírito Santo lhe houver concedido para expor aos eventuais “alunos”? – E o resultado, são lacunas que todos conhecemos. Uns confundem Doutrina Bíblica com costumes. Outros continuam a dizer: no “campo” onde trabalho a “doutrina”, é assim. Quando o certo deve ser, a Doutrina segundo a Bíblia, a Palavra de Deus. E isso se dá justamente por falta de ensino. E falta ensino ou Doutrina, não por carência de doutrinadores nas Assembléias de Deus. Eles aí estão graças a Deus. Muitos, com chamados para esse Ministério importante.

Têm surgido nos últimos anos, “Escolas Bíblicas” em várias regiões do Brasil, mas, também, de um exíguo período. O ciclo dessas “Escolas Bíblicas” é pequeno, quando muito funcionam durante trinta dias, por ano. Algumas são freqüentadas até por trezentos “Obreiros”, no entanto os “alunos” chegam em tempos e semanas diferentes. Uns chegam no início e saem no meio, outros no meio e viajam na semana seguinte. Não podem, com raras exceções, freqüentar o tempo suficiente, para melhor assimilação dos ensinos apresentados pelos professores. No término da Escola, todos saem “alegres”, mas com pouco aproveitamento de essencial que foi ensinado.

Não queremos menosprezar as “Escolas Bíblicas” ou reuniões de Estudos Bíblicos, como estão sendo realizados. O que desejamos deixar claro é que não estão satisfazendo plenamente, dado o crescimento do Trabalho do Senhor.
O que as Assembléias de Deus, precisam, e com urgência, é criar e organizar uma Escola Bíblica, permanente, que deverá ser instalada sem mais delongas, por uma necessidade inadiável. O trabalho das Assembléias de Deus, o seu desenvolvimento causa admiração a todos. Por isso mesmo, está a exigir a criação imediata da Escola Bíblica, permanente, aqui no Rio ou outra região de fácil acesso aos interessados. Nessa escola deverão ser ministradas as principais doutrinas, e, tanto quanto possível, outras matérias de conhecimento gerais. Uma Escola Bíblica onde possa haver um verdadeiro congraçamento dos Obreiros, produzindo como resultado um maior entendimento ministerial. Os professores, nós os temos. É uma questão apenas de proceder-se a uma seleção dos abalizados servos de Deus, antigos Obreiros experientes, e outros, ainda jovens, mas com a chamada e capacidade para o desenvolvimento de tão importante missão. 

Naturalmente, não aceitamos nem estamos defendendo o princípio de que somente “passando” pela Escola Bíblica, se poderá ser Pastor. Não, em absoluto. Ninguém deverá ir a escola Bíblica para “sair” Pastor. Porém, deverá freqüentá-la, estagiando por um prazo mínimo de seis meses, justamente por ser vocacionado e, talvez, já consagrado ao Santo Ministério. Cremos, segundo a palavra de Deus, que o Senhor é quem chama e envia. A Escola será o lugar onde aqueles que foram chamados pelo Senhor, terão oportunidade de receber melhor conhecimento da Doutrina Básica e de comezinhos princípios tão necessários àqueles cujas vidas tem sido postas nas mãos do Senhor, para a Obra do Ministério.

A criação de uma Escola Bíblica, permanente, trará grandes benefícios, sanando falhas existentes em nosso meio.

Sendo um trabalho das Assembléias de Deus, no Brasil, um dos maiores trabalhos Pentecostais do mundo, não podemos atinar com o motivo porque ainda não foi criada a Escola Bíblica, permanente. O trabalho Pentecostal, na Suécia é tomado por alguns como modelo para o nosso aqui no Brasil, entretanto, neste particular, isto é, na criação de uma Escola ou Instituto, não quiseram seguir o seu exemplo. Há na Suécia, próximo a Estocolmo um Instituto Bíblico, a famosa “KAGGEHOLM”, onde missionários que são chamados para trabalhar fora, em países estrangeiros, fazem um estágio, um período de preparação. E nessa escola Bíblica (ou Instituto) em Estocolmo os candidatos a missionários estudam além da Palavra de Deus, línguas, e até química... Há, também em Chicago, Estados Unidos, um Instituto pertencente ao trabalho sueco naquele país, onde são ministrados todas as matérias relacionadas com a doutrina bíblica e conhecimentos gerais.

Ora, se as Escolas (ou Institutos) tem sido uma benção para os irmãos na Suécia e nos EE.UU., por que não serão também no Brasil? Lá constituem uma benção, aqui no Brasil?... Serão os Obreiros inferiores? Cremos que não. Pois um grande educador, diz: “As divergências de cultura decorrem das oportunidades desiguais em desenvolvê-las”. E nós afirmamos que o fato de um povo habitar esta ou aquela região do globo não implica absolutamente em superioridade ou facilidade de assimilação dos indivíduos que o compõem. “De maneira alguma se pode avaliar, à justa, a cultura de um povo pelo ambiente fisiográfico”. Portanto, com a graça de Deus, todos os fatores contribuem para que criemos sem mais detença, a Escola Bíblica, permanente. Tudo para honra e glória do Senhor Jesus Cristo!

Comentários

  1. Olá irmão Mário Sérgio! Graça e paz!

    Muito obrigada por visitar e seguir o meu blog. Estou seguindo o seu também. Gosto muito da Igreja Assembléia de Deus. Estas revistas são mesmo relíquias, é sempre bom quando gostamos de algo e podemos guardar para rever lá na frente.

    Meu irmão, vamos juntos levando a Palavra de Deus aqui na web, visto que fazemos um trabalho contra a corrente do mal (porque aqui na internet as coisas do maligno correm em quantidade que nem dá pra fazer o "contra-ataque" de maneira proporcional). Mas enfim, cada um fazendo o que pode, é melhor que nãp fazer nada, não é mesmo?

    Vamos juntos, cada um dando de si a fim de ajudarmos a abreviar a volta de Jesus, pois este mundo tá dureza!

    Em Cristo,

    Claudia Sunshine (Claudia Paiva)
    http://blogdosultimos.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Olá irmão Mário, a Paz do Senhor!

    Obrigado pelo seu comentário no blog GQL e que Deus o abençoe neste importante espaço "Memórias da Assembléia de Deus" guardando importantes trechos da história de nossa amada denominação!

    Um forte abraço e Deus o abençoe!

    ResponderExcluir
  3. A paz do Senhor!

    Parabéns pelo blog!!

    Seus assuntos são pertinentes, considerando que devido ao crescimento exagerado das AD, muitos pastores perderam o foco, e esquecem como tudo começou.

    Em Cristo,
    Luciano Vieira
    http://escrituraemfoco.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  4. Revista abençoada, edificante! Era criança e lia todos os meses quando morava lá no Piauí. Minha saudosa avó comprava todos os meses.

    ResponderExcluir
  5. Sou casado com a filha do Saudoso Pastor João Pereira. Li suas obras, edificantes.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)