Constituição: liberdade religiosa ameaçada?

Um dos capítulos mais interessantes da história dos pentecostais é justamente a adesão desse grupo religioso a política partidária. O sociólogo Paul Freston em seu clássico livro Evangélicos na Política Brasileira: história ambígua e desafio ético trata com muita propriedade essa questão. Para o referido autor questões como a consciência de crescimento numérico, e as disputas no campo religioso por acessos e meios de fortalecimento das instituições evangélicas (esses meios seriam segundo o autor: concessões de rádio e televisão, bem como doações e verbas para as entidades filantrópicas dirigidas pelas igrejas), são um exemplo dos motivos da adesão pentecostal a política partidária. Soma-se a isso o status que a política pode dar a uma família pastoral, e o desejo dos partidos políticos de diversificarem sua clientela.

Porém, para romper com as resistências históricas de um povo, que não via a política dentro das igrejas com bons olhos, qual fator ou discurso se destacou naquela época?

Congresso: "ameaça" à liberdade religiosa impulsionou a eleição dos pentecostais

Para Freston o discurso de "ameaça" à liberdade religiosa foi a grande justificativa das lideranças, para explicar o envolvimento das denominações evangélicas pentecostais (principalmente a Assembleia de Deus) na política. Segundo as lideranças, a Igreja Católica estaria se preparando para voltar a ser a religião oficial do país. O Mensageiro da Paz colaborava com essa informação quando divulgava notícias, nas quais em tom alarmista, deixava claro o perigo iminente que os evangélicos corriam, caso a igreja romana voltasse a ser a religião oficial do estado. Segundo o sociólogo:

"As histórias são sempre vagas e levam as marcas clássicas da boataria. Como entender tudo isso? A ideia de um retorno a uma religião oficial, quase cem anos após a separação de Igreja e Estado e sem campanha pública preparatória, é estranha. Será que os líderes assembleianos estavam totalmente alienados do momentos histórico? Ou era a manipulação cínica dos fiéis em função de objetivos inconfessáveis? Ou devemos entender "liberdade religiosa" como código para algo maior e mais ancorado na realidade?" (FRESTON 1994: 65)

Robson Cavalcanti também corrobora esse raciocínio em seu livro Cristianismo e Política: teoria bíblica e prática histórica ao afirmar que "Durante a campanha de Constituinte a maioria dos candidatos evangélicos pediam que os elegessem para "garantir a liberdade religiosa", que em nenhum momentos esteve ameaçada".

Pode ser que as lideranças realmente acreditaram na versão da "ameaça à liberdade religiosa", pois a história do pentecostalismo no Brasil, é recheada de perseguições. Nos primeiros anos de sua existência, os pentecostais tiveram muitos de seus líderes e membros presos, suas igrejas forma apedrejadas e depredadas. E muitas dessas perseguições eram movidas por sacerdotes católicos ou membros do catolicismo. Nesse período eleitoral vários dos pioneiros ainda eram vivos, e as lembranças das dificuldades dos primeiros anos permanecia.

A falta de sintonia dos líderes assembleianos com o momento histórico é simplesmente um reflexo da pobre formação cultural e política dos mesmos. Muitos deles, analfabetos, aprenderam a ler na Bíblia. Como muitos dos brasileiros de hoje, não entendiam as estruturas políticas e sociais do Brasil. Facilmente se alarmavam com qualquer coisa que ameaçasse seus direitos e privilégios religiosos, conquistados a duras penas durante tantos anos.

Pode ser que o discurso da "ameaça à Liberdade religiosa" foi uma invenção, ou exagero de alguns partidos políticos para a adesão dos evangélicos, e principalmente dos pentecostais a um envolvimento direto nas campanhas políticas. Ao entrevistar pessoalmente algumas lideranças catarinenses ou membros mais antigos sobre o assunto, percebe-se que era realmente esse o receio dos crentes: o medo das restrições religiosas que uma nova Constituição poderia trazer. Então eleger representantes para a nova Carta Magna se tornou um imperativo naquele momento.

Mas passados alguns anos das eleições legislativas que marcaram a entrada dos assembleianos (e pentecostais em geral) na política partidária, o que se percebe é um silêncio sobre essa questão. Obras recentes da Casa Publicadora das Assembleias de Deus no Brasil passam ao largo dessa polêmica.

Exemplo mais marcante desse silêncio é o do Dicionário do Movimento Pentecostal escrito e organizado por Isael de Araújo. Apesar de no verbete Política o autor "copidescar" trechos quase que inteiros de livros e textos dos mais variados autores sobre a inserção dos pentecostais na política, em nenhum momento se refere a "ameaça" da liberdade religiosa como impulso das candidaturas assembleianas a Constituinte. O autor chega a afirmar que somente em 2001 com a criação do projeto "Cidadania AD Brasil" é que a denominação se organizou nacionalmente para eleição de parlamentares ligados a mesma, "esquecendo" assim de mencionar o grande esforço de 1986.

Resta saber o porque desse aparente "esquecimento"? Será que os rumos tomados pela denominação nas questões políticas teriam tornado o discurso da "ameaça" à liberdade religiosa, assumido naquele momento pela cúpula assembleiana, algo totalmente obsoleto e digno de ser apagado da sua história?

Comentários

  1. Caro Mário Sérgio, graça e paz!
    Parabéns pelo rico espaço do qual passo a ser seguidor. Embora não nos conheçamos, sou pastor aqui em Joinville, atuando como segundo distrital no Distrito 8 - Shalom / Espinheiros.

    Visite o meu blog: http://prsergiopereira.blogspot.com

    Um forte abraço!

    Pr. Sérgio Pereira

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